Naquela manhã abafada de novembro, o país acordou com um barulho que não vinha das ruas, mas das entranhas da história. Jair Bolsonaro havia sido preso. Não foi um espetáculo, tampouco um alarde. Foi um silêncio. Um silêncio denso, como o de uma sala onde todos sabem o que aconteceu, mas ninguém quer ser o primeiro a dizer.
Nas padarias, o pão saiu quente, mas os comentários frios. Nos grupos de WhatsApp, emojis substituíam argumentos. E nas esquinas, onde antes se gritava por liberdade ou intervenção, agora se cochichava sobre justiça.
Foi então que me lembrei da frase estampada num cartaz esquecido na livraria do centro:
“Sentir pena dos culpados é trair os inocentes.”
Ayn Rand, dizia a assinatura. Nunca fui fã da autora, mas naquele instante, a frase parecia ter sido escrita para nós.
Porque havia, sim, quem sentisse pena. Pena do homem que, por anos, vestiu a faixa presidencial como se fosse um escudo contra as consequências. Pena do pai, do avô, do político que dizia o que pensava — mesmo quando o pensamento era um soco. Mas e os inocentes? Os que morreram sem oxigênio em Manaus, os que foram chamados de “fraquinhos” por não resistirem à Covid, os que viram a Amazônia virar cinza?
A crônica da prisão não é sobre um homem algemado. É sobre um país que precisa decidir se vai continuar confundindo carisma com caráter, bravata com bravura. É sobre entender que justiça não é vingança, mas também não é esquecimento.
Na televisão, a imagem dele sendo conduzido não tinha trilha sonora. Mas, se tivesse, talvez fosse o som de uma página virando. E quem sabe, no rodapé dessa página, estivesse escrito em letras miúdas:
“Trair os inocentes é o crime que a história nunca perdoa.”
©️Beatriz Esmer
