Leitura de Si Mesma

Desconfiada e incomodada pelo silêncio, ela se obrigava a distrair-se com as vozes incessantes vindas de dentro de si, que lhe diziam tudo, explicavam tanto, falavam demais sem resolver nada. O silêncio era uma angústia, pois ouvi-lo seria o mesmo que escutar-se. O medo era de que, ao ouvir, reconhecesse feiuras conhecidas e virtudes insuspeitadas: umas e outras, nunca bem-vindas desde a infância. O silêncio era uma liberdade inalcançável. A liberdade que dizia não conseguir. A liberdade evitada sem perceber que evitava. Bastava uma fresta dessa perteza e já começavam ansiedades e distrações.

Ouvir-se seria ver-se. Ver-se seria sentir-se. E saber-se. Saber dos enganos ocultos que se confundiam com a personalidade. E despejá-los como inquilinos indesejados do próprio peito. Assim, evitava o confronto com o íntimo, preferindo a cacofonia das vozes internas que, mesmo desordenadas, lhe pareciam menos ameaçadoras do que a temida quietude da verdade.

A vida era um constante desviar-se de si mesma, uma tentativa incessante de escapar da essência que repousava nas profundezas do seu ser. Mas, em algum lugar dentro dela, a verdade esperava pacientemente, sabendo que, um dia, ela não poderia mais fugir. E, quando esse dia chegasse, encontraria a paz que sempre buscara, não nas distrações, mas na coragem de abraçar o silêncio e, finalmente, ouvir a si mesma. 🙏🏾

©️ Beatriz Esmer

Watercolor Painting Art

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