Crônica: A Origem do Meu Amor

Começou num lugar que não se acha nos mapas, mas nos cantos da madrugada — um pedaço de Minas onde o tempo anda devagar e o amor se esconde no cheiro de café passado na hora. Lá, o amor não se diz. Se cozinha, como doce de leite no tacho, no silêncio morno do amanhecer.

Minha pele, embora minha, carrega o tom de polpa de manga e sol de janeiro — uma tinta de urucum herdada da linhagem de minha mãe África. É a cor da lida, da fé, das mãos que me criaram. As palmas da minha mãe, gastas e perfumadas de alho, sabão de coco e esperança, são ecos dos dedos da minha avó, manchados de terra vermelha e poeira de estrada. Eu as visto como se fossem minha segunda pele.

Nas ruas de pedra, pulseiras de miçanga tilintam — não por festa, mas por sustento. Mulheres caminham com bacias de feijão tropeiro e frutas equilibradas sobre cabeças cheias de causos, seus passos uma coreografia de resistência. Esta não é a história de uma pessoa, mas de um estado que embala a lua no colo e respira com cheiro de chuva, folha de louro e pão saindo do forno à lenha.

O compasso que carrego não é só meu. É o batuque da minha mãe, suas cantigas de ninar correndo nas minhas veias. O som das suas chinelas, seus passos, suas rezas — tudo isso flui em mim como rio voltando pro São Francisco.

E quando a lua se desfaz em fios e derrama prata sobre a noite, eu sinto o puxar. Um chamado. Um sussurro. Um retorno às montanhas, ao ar puro da Serra da Mantiqueira

©️ Beatriz Esmer

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