Era fim de tarde no sertão, quando o sol se deitava com preguiça por trás das coxilhas, tingindo o céu de um rosa que parecia ter sido soprado por Deus. Dona Mariinha, sentada na cadeira de palha, fazia cafuné no cabelo branco de seu Zé, que cochilava com a cabeça encostada em seu colo. A mão dela, sabida de anos e silêncios, ia desenhando caminhos no couro cabeludo dele como quem escreve cartas que não precisam de papel.
“Cafuné é coisa de alma,” dizia ela, sem levantar a voz, como quem conversa com o tempo. “Tem que saber onde toca, senão vira incêndio.”
E ali, naquela varanda de madeira gasta, o mundo parecia suspenso entre o afago e o abismo. Porque o mesmo gesto que acalma também pode atiçar. Guimarães Rosa já dizia que “viver é muito perigoso”, e Mariinha sabia disso não só pelas palavras, mas pelas cicatrizes que o tempo lhe bordou na pele.
O cafuné dela não era só carinho — era memória. Era o dia em que Zé voltou da guerra com os olhos cheios de sombra. Era o tempo em que ela perdeu o filho e só o silêncio fazia companhia. Era também o começo, quando ele lhe pediu em namoro com um bilhete escondido no bolso do vestido.
Mas havia também o fogo. Porque o toque, quando feito com precisão, acende. E Mariinha, mesmo com os anos pesando nos ombros, ainda sabia acender. O corpo, mesmo cansado, ainda lembrava da dança dos desejos. E o cafuné, que começava como consolo, às vezes virava convite.
“Tem coisa que a gente faz com a mão, mas é o coração que manda,” ela pensava, enquanto os dedos deslizavam com a delicadeza de quem conhece o poder da ternura.
Naquele sertão onde tudo parecia parado, o amor ainda se movia. Devagar, como quem não quer acordar o tempo. Mas firme, como quem sabe que o toque certo pode tanto curar quanto incendiar.
E assim, entre o cafuné e o fogo, Mariinha e seu Zé continuavam vivendo — perigosamente, poeticamente, como quem entende que o amor é feito de mãos hábeis e almas dispostas.
Saravá! ❤️
©️ Beatriz Esmer
