Era um Château Margaux, agradável bebê-lo sozinho… embora a garrafa dissesse “compartilhável”, eu decidi que ela não sabia do que estava falando. Afinal, quem melhor do que eu para apreciar cada nota frutada, cada suspiro de carvalho francês e cada gota de uva que provavelmente teve uma infância mais feliz que a minha?
A noite estava calma, o sofá receptivo, e o silêncio da casa só era quebrado pelo som do vinho se servindo — um glub-glub que soava como poesia líquida. Eu até considerei colocar uma música ambiente, mas achei que seria uma falta de respeito com o vinho. Ele merecia atenção plena. E eu também.
Enquanto degustava, filosofei: por que será que vinho caro tem gosto de vitória mesmo quando a única coisa que venci foi a preguiça de abrir a rolha? Talvez seja o poder do rótulo. Château Margaux. Só de pronunciar, já me sentia fluente em francês e emocionalmente estável.
Lá pela segunda taça, comecei a conversar com a garrafa. Ela, silenciosa e cúmplice, me ouvia melhor que muita gente sóbria. “Você entende, né?”, eu dizia, e ela, com seu vidro elegante, parecia acenar com dignidade. Um verdadeiro sommelier emocional.
Na terceira taça, fui até a geladeira em busca de um queijo que combinasse com meu momento de autossuficiência. Encontrei um requeijão vencido e um pedaço de goiabada. Decidi que o Château Margaux merecia melhor companhia — e voltei para o sofá, apenas com ele.
No fim da noite, restava meia garrafa e um ego inflado. Eu, o vinho e o silêncio tínhamos selado um pacto: ninguém precisava saber. Afinal, era um Château Margaux… e foi agradabilíssimo bebê-lo sozinho.
©️Beatriz Esmer
