Era uma terça-feira qualquer, dessas em que o café esfria antes da primeira reunião e o corpo já acorda cansado. No consultório, o psicólogo me olhou com aquela calma que só quem já viu muitas tempestades sabe ter. E então, sem aviso, lançou a pergunta que me desmontou:
— Você emprestaria seu carregador se seu celular estivesse com 3% de bateria?
Sorri, achando que era uma metáfora boba. Respondi que não, claro. Com 3%, o carregador é meu salva-vidas. E foi aí que ele me deu o soco — não com os punhos, mas com a verdade:
— Então por que você vive emprestando sua energia para todo mundo, mesmo quando está exausto?
Fiquei em silêncio. A pergunta ecoou como um trovão dentro de mim. Quantas vezes eu disse “sim” quando queria dizer “não”? Quantas vezes fui o ombro, o ouvido, o apoio — enquanto minha própria estrutura desmoronava em silêncio?
A gente aprende desde cedo que cuidar dos outros é nobre. Mas ninguém ensina que cuidar de si é necessário. Que não é egoísmo recusar, se proteger, se priorizar. Que às vezes, o amor-próprio é o carregador que salva a alma da falência.
Naquele dia, saí do consultório com mais perguntas do que respostas. Mas uma certeza me acompanhou até em casa: eu estava com 3%. E antes de salvar o mundo, eu precisava me salvar.
Desde então, tenho tentado. Não é fácil. A culpa aparece, disfarçada de responsabilidade. Mas aos poucos, aprendo que dizer “não” também é um jeito de dizer “sim” — para mim mesma.
Porque ninguém vive com a bateria sempre cheia. E às vezes, tudo o que precisamos é parar, respirar, e recarregar. 🙏🏾❤️
©️ Beatriz Esmer
