Crônica: O Peso do Nada

Era uma tarde qualquer, dessas em que o sol parece mais contemplativo do que quente. Sentado no banco da praça, seu Joaquim observava o vai e vem das pessoas com a serenidade de quem já viu o mundo girar muitas vezes. Ao seu lado, um menino brincava com um carrinho de plástico, ignorando o tempo, o cansaço e até a gravidade.

— A vida é estranha — murmurou Joaquim, mais para si do que para o menino.

O garoto não respondeu, mas o carrinho parou. Como se tivesse ouvido.

Joaquim continuou: — A gente chega sem nada, luta por tudo… e no final, deixa tudo e parte sem nada.

Era uma frase que ele repetia desde que perdera Dona Lúcia, sua companheira de cinquenta anos. Ela partiu numa manhã silenciosa, levando consigo os risos, os planos e até o cheiro do café fresco. Desde então, Joaquim passou a medir a vida não pelo que tinha, mas pelo que restava.

Ele pensava nas gavetas cheias de documentos, nas estantes abarrotadas de livros, nas roupas que já não serviam, nos sonhos que já não cabiam. Tudo aquilo que ele havia acumulado com tanto esforço parecia agora apenas… peso.

Mas havia também o outro lado. O menino, por exemplo. Não era seu neto, nem vizinho. Era apenas um pequeno desconhecido que, por algum capricho do destino, gostava de brincar ali, ao seu lado. E isso bastava.

Talvez o segredo não fosse lutar por tudo, mas aprender a valorizar o nada. O nada que é um silêncio compartilhado, um olhar cúmplice, uma lembrança que aquece. O nada que, no fim, é tudo o que levamos.

O menino levantou, deu um sorriso tímido e disse:

— Até amanhã, senhor Joaquim.

E foi embora, levando seu carrinho e deixando, no banco, um velho com o coração mais leve.

©️ Beatriz Esmer

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