Eu era ali, uma estaca fincada no entretempo, e o vento, essa substância fina e urgente, decidia atravessar-me. E o fazia sem cerimônia, com uma indiferença que, veja bem, era quase um bálsamo. Não era um abraço, longe disso. Era uma permissão para a leveza, um atestado de que, por um instante, eu não era mais densa que o ar que me vazava. Testemunhar essa passagem, o roçar da invisibilidade em mim, prometia, ou ao menos parecia prometer, um ínfimo alívio.
O suspiro veio, baixinho, quase um murmúrio que se recusava a ser som. Era um risco calculado, eu sei. O perigo de que, na vastidão de um salão cheio de nenhuns, alguém pudesse captar a frequência exata do que se desenrolava aqui dentro. Como se as pessoas tivessem a audácia – ou a melancolia – de decifrar o amontoado de pensamentos que se acumulavam, pedras vivas e silêncios pesados, no meu íntimo. O medo de ser lida é também o desejo secreto de ser enfim compreendida, mas só na medida em que a decifração não doesse.
Meus olhos, ah, os meus olhos. Eles se habituaram à escuridão da câmara interna, e por isso, conseguiam esse feito estranho: ver além da própria solidão. Não que a solidão se dissipasse; ela era o fundo, o papel de parede inevitável. Mas meus olhos viam as texturas, os veios dessa ausência, e neles, encontravam a vastidão que a solidão, por sua natureza, tentava aprisionar. Era um vasto deserto com estrelas muito antigas.
Já quis tanto. Um excesso de quereres que me deixava exausta, como quem corre atrás do próprio reflexo no espelho. Quis o sublime, o completo, o nome certo para a coisa errada. Mas essa ânsia, essa antiga fúria de ser e ter, foi se dissolvendo no ar, como o vento que me atravessa.
Agora, neste instante de quase-vazio, o desejo se despojou. Tornou-se de uma simplicidade que beira a crueldade.
Ultimamente, e essa palavra ultimamente carrega o peso de todos os sempre que falharam, eu só quero ficar bem. Não a alegria de trombetas, não a epifania. Apenas a calma, a planície, a ausência de pontas. Que o vento me atravesse e me deixe, ao final, com essa superfície lisa do estar em paz.
©️ Beatriz Esmer
