Mãe III

Mãe,
Trago comigo esse passado mal enterrado,
lembranças que teimam em fazer sombra,
feito assombração de beira de estrada.
Tem noites que sua filha parece se desmanchar,
uma dor de rasgar o peito, um lamento que não finda.
Mas quando o galo canta e o sol aponta no cerrado,
eu mesma vou juntando meus pedaços,
remendando o que a vida esgarçou.
Sou feita de cacos, é verdade,
como louça antiga que caiu do armário.
Mas em cada emenda, mãe, tem um fio de força.
Minhas cicatrizes são os meus caminhos,
são as rugas da alma que aprendi a aceitar.
Ainda não soube enterrar o que passou,
mas vou levando o fardo com a calma de quem sobe ladeira.
Nos meus apertos, me valho da tua lembrança.
Teu amor é lamparina acesa no fundo do quintal,
clareando o que o medo escurece.
E quando o dia amanhece limpo,
eu sei que a vida me deu mais uma chance
de cozinhar o meu destino e crescer mais um bocado.
Por isso, mãe, entre um tropeço e uma flor,
sigo sendo sua menina de outrora.
No teu colo imaginário encontro o meu sossego,
o lugar de me curar por inteiro
e me levantar, mais forte, para a lida.

©️ Beatriz Esmer

©️ Beatriz Esmer

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