Mãe,
Trago comigo esse passado mal enterrado,
lembranças que teimam em fazer sombra,
feito assombração de beira de estrada.
Tem noites que sua filha parece se desmanchar,
uma dor de rasgar o peito, um lamento que não finda.
Mas quando o galo canta e o sol aponta no cerrado,
eu mesma vou juntando meus pedaços,
remendando o que a vida esgarçou.
Sou feita de cacos, é verdade,
como louça antiga que caiu do armário.
Mas em cada emenda, mãe, tem um fio de força.
Minhas cicatrizes são os meus caminhos,
são as rugas da alma que aprendi a aceitar.
Ainda não soube enterrar o que passou,
mas vou levando o fardo com a calma de quem sobe ladeira.
Nos meus apertos, me valho da tua lembrança.
Teu amor é lamparina acesa no fundo do quintal,
clareando o que o medo escurece.
E quando o dia amanhece limpo,
eu sei que a vida me deu mais uma chance
de cozinhar o meu destino e crescer mais um bocado.
Por isso, mãe, entre um tropeço e uma flor,
sigo sendo sua menina de outrora.
No teu colo imaginário encontro o meu sossego,
o lugar de me curar por inteiro
e me levantar, mais forte, para a lida.
©️ Beatriz Esmer
