— Você está curada? — perguntou a voz dentro do espelho, uma voz que tinha o som de papel rasgado.
— O corpo sim. A carne fechou-se sobre o susto. Mas algo ficou aberto.
— O caderno.
— Sim, o caderno. A morte me deu um bloco de notas e esqueceu de levar a caneta. Agora, cada batida do meu coração parece o tique-taque de uma conta que precisa ser paga. “Diga quem você é”, o caderno me ordena. E eu… eu não sei o que dizer sem usar nomes que não me pertencem.
— Não use nomes. Use o que você sustenta. O que você defende quando as luzes se apagam?
— Sustento o peso de ser. É pouco? Às vezes sinto que não fiz nada pelo mundo, que apenas caminhei sobre ele, distraída. O mundo é tão grande e eu sou apenas um “eu” tentando não doer. Mas agora, esse roçar no fim me fez querer ser… lembrada. Não como um monumento, entende? Mas como uma vibração.
— E o que faz sua vida valer? — a voz insistiu, implacável.
— É o agora. É essa capacidade de sentir o sangue correndo de novo, sem pedir licença. Acho que uma vida vale a pena quando ela deixa de ser uma espera e passa a ser um acontecimento. Mesmo que o acontecimento seja apenas este: eu, aqui, viva, escrevendo perguntas que não têm resposta.
©️ Beatriz Esmer
