Dizia o mestre que a gente não é dono de nada. O jardim, se você reparar bem, é uma lição de desapego escrita em verde. Tem gente que olha para uma orquídea e diz: “Esta flor é minha”. Pobre ilusão. O pronome possessivo é uma gaiola de ouro que a gente inventa para tentar estancar o fluxo da vida.
As plantas, coitadinhas, não entendem de cartório. Elas não são pronomes; elas são verbos.
Amar é verbo. É o ato contínuo de regar, de observar o silêncio do broto, de respeitar o tempo da floração que não obedece ao nosso relógio ansioso. Quando eu digo que “possuo” uma planta, eu a transformo em objeto, em mobília. Mas quando eu a amo, eu me transformo em jardineiro. E o jardineiro sabe que a beleza da flor é um presente, não uma propriedade.
Precisamos, urgentemente, descolonizar nossos afetos.
Fomos ensinados a amar como quem conquista terras, como quem finca bandeiras e delimita fronteiras com cercas de arame farpado. Queremos que o outro — seja a planta, seja o amado — cresça apenas na direção que a nossa sombra permite. Isso não é amor; é arquitetura de controle.
As plantas nos ensinam a descolonização porque elas são indomáveis em sua essência. Você pode podar, pode guiar, mas a força que faz a seiva subir vem de um lugar onde o nosso “eu” não alcança.
- O amor-posse quer a flor no vaso, cortada, para enfeitar a mesa por dois dias.
- O amor-verbo prefere o joelho no chão, a terra nas unhas e a alegria de ver a planta ser exatamente o que ela nasceu para ser, mesmo que isso signifique vê-la crescer para além dos nossos muros.
Amar, no estilo das plantas, é abrir a mão. É entender que a maior prova de afeto não é prender o que é belo, mas criar um solo tão fértil e uma presença tão doce que a vida escolha, por vontade própria, florescer ao nosso lado. 🌻
©️ Beatriz Esmer
