Outro modo de rezar

Rezo em poemas, mas o poema é pouco. É uma trama de desejos, sim, mas eu me canso do “escrito”. As palavras são redes que tentam pescar o que não tem nome, e eu acabo ficando apenas com o fio seco na mão. Eu queria, na verdade, era transcender o limite do papel. Queria aprender a rezar com a própria carne, com o latejar do que sou.

Quero que minha reza seja o ritmo do meu fôlego — esse entrar e sair de ar que é uma sinfonia muda sussurrada ao nada. Ou ao tudo. Quero rezar pelas paisagens alucinadas dos meus sonhos, naquelas noites inquietas em que a alma briga com o corpo e a gente acorda cansada de tanto existir. Rezar pelo amor, que é vasto e dói, e pela renúncia, que é o ato de soltar o peso para não afundar no próprio pântano.

Olho a neve que cai lá fora. Cada floco é um hino mudo, uma beleza que não pede licença. Rezo com ela. E rezo com as minhas lágrimas — elas me assustam, sabe? Nascem de um lugar que eu não controlo, são testemunhas de que eu sinto fundo demais. Rezo no calor de um sorriso, na conversa que acende uma luzinha no escuro, mesmo com gente que eu nunca vi.

Sinto que sou, em cada fibra, uma pequena igreja. Um santuário feito de gente. Sou a casa onde as almas entram sem bater, onde os ecos de vidas alheias se misturam aos meus até que eu já não saiba quem é quem. É uma confusão sagrada.

Nesse vazio cheio de tudo, ofereço minha reza como quem admite: está tudo ligado. Há uma centelha em cada bicho, em cada pessoa, que me faz tremer de reverência. Sou apenas um vaso. Um testemunho desse espírito humano que teima em não apagar. E no silêncio do meu ser — esse lugar onde ninguém vai — minha oração é uma ode à língua universal que não precisa de alfabeto. É a música que nos une nesse mosaico estranho e bonito que é estar vivo. 🙏🏾

©️ Beatriz Esmer

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