Senhor, eu me afoguei no salgado de mim. Não foi uma vez, foram inúmeras, e em cada uma delas o silêncio era um peso de chumbo. Eu remava, entende? Remava com essa fúria cega de quem quer chegar a lugar nenhum, ora contra, ora a favor, perdendo-me no labirinto das correntes que eu mesma inventei.
Havia um erro de ritmo em meus pulsos. Eu lançava a âncora no exato instante em que o horizonte me chamava para a partida; e partia, num susto, quando o porto era o único repouso possível. Tive a fome que rói o osso e tive o excesso que sufoca a alma. Mirei o nada e o nada me devolveu o olhar através de miragens e de um silêncio tão denso que se podia tocar.
Naveguei para dentro do olho do furacão, serva que sou das minhas marés caprichosas. Criei piratas — monstros de papel e sombra — para que eles saqueassem os tesouros que eu não sabia como carregar. Tornei-me, assim, uma filha exilada das estrelas. Fui marinheira no tempo, senhor, mas com o medo absurdo de quem nunca aprendeu o milagre de boiar.
Mas o desmorrer… Ah, o desmorrer é uma coisa lenta. Foi preciso que as ondas me quebrassem por inteiro para que eu pudesse, enfim, renascer. No embate bruto contra o mar, redescobri esse núcleo vibrante que sou eu. Entre o naufrágio e o fôlego, encontrei uma força que não é minha, mas que me habita — uma sabedoria que só se colhe no fundo, onde a luz não chega, mas a vida insiste.
©️ Beatriz Esmer
